No momento em que escrevo este post, acabo de ter conhecimento através do jornal Público (ver notícia aqui) do encerramento do restaurante Aya. Admito que tenho a esperança que, ao publicar este post, surja um comentário violento do Restaurante Aya a criticar esta notícia e este artigo. Se assim for, o mesmo será publicado com gosto.
Qual então o sentido de escrever sobre um restaurante que acaba de encerrar? Para um restaurante como o Aya faz todo o sentido, pois este espaço não só foi um marco no panorama da restauração alfacinha, como, pessoalmente, guardo na minha memória excelentes momentos ali vividos. Antes de mais, este post já estava a ser escrito, pelo que a notícia do encerramento do restaurante Aya, faz com que este texto se torne uma homenagem deste blog a tão relevante espaço.
O Aya
O restaurante era (ok, é estranho usar este tempo verbal...) amplo, sóbrio, discreto e com uma decoração que evidentemente nos remetia para temas japoneses. Para quem quisesse, existiam as conhecidas e tradicionais salas fechadas, onde se poderia desfrutar a refeição com maior privacidade. Os empregados do restaurante também vestiam trajes que julgo serem tradicionais, sendo que as senhoras trajavam um quimono. A tradição imperava neste restaurante, cujos mestres confeccionavam os pratos à frente dos clientes e de cada vez que estes se iam embora, soava da parte dos chefs uma estrondosa despedida. Havia ainda o pormenor da loiça, não dos pratos, mas sim dos recipientes onde eram servidas as refeições, com natural destaque para os famosos barcos do Aya. O pessoal não sendo totalmente composto por japoneses, percebia-se que era constituído por pessoas que claramente conheciam a complexa tradição gastronómica japonesa, o que ajudava muito aqueles que pela primeira vez comiam sushi.
(ver foto aqui)
Quase tudo o que escrevi sobre este espaço parecerá banal, algo presente em boa parte dos restaurantes japoneses, porém, o Aya foi mesmo um marco em Lisboa. Foi um dos primeiros restaurantes japoneses da cidade, sendo durante anos o principal espaço deste tipo de cozinha e aquele que se manteve sempre fiel e imune a fusões com outras gastronomias. Não me recordo de ver na sua ementa peças com maionese, queijo Philadelphia, ou compostas apenas por frutas, etc etc. Quando alguém queria comer um sushi realmente tradicional, era ao Aya que ia.
Durante anos, tudo isto foi possível devido aos esforços do seu fundador, o Sr. Takashi Yoshitake, cuja morte prematura abalou profundamente este restaurante. Tendo tido a oportunidade de ir ao Aya antes e depois da sua morte, foi evidente a diferença que se sentiu. As despedidas tímidas aos clientes, muitos aprendizes na bancada em vez de mestres e uma ligeira queda na qualidade de alguns pratos, foram alguns dos pormenores que se sentiram. Diziam as más línguas que os melhores e mais empenhados empregados estavam no Aya de Carnaxide...
A Ementa
O Aya era sinónimo de tradição e qualidade, por isso, até as sempre gulosas gyosas conseguiam destacar-se das da concorrência. Eram certamente as melhores de Lisboa. Seria da massa? Do recheio? Do facto de serem servidas assim que eram confeccionadas e não deixadas a monte como nos restaurantes chineses convertidos em "japoneses de última hora"? O sushi e o sashimi eram sempre fresquíssimos, com este último a ter sempre boas proporções e bom corte. O atum deveria ser escolhido a dedo, pois o sashimi deste peixe era óptimo e nem sempre havia, o que comprova a atenção que existia neste restaurante para a qualidade e segurança dos pratos nele servidos. Nas diferentes peças de sushi, a execução das mesmas era como mandava a tradição e segurança, com o wasabi a ser um ingrediente sempre presente, não só para dar sabor, mas também para eliminar eventuais bactérias no peixe cru. As proporções de peixe nos uramaki, nigirizushi e hosomaki eram consideráveis, sem que contudo a quantidade de arroz pusesse em causa a consistência da peça. No Aya não era costume os uramaki se desfazerem na soja, tal como sucede noutros espaços. É injusto não referir que os uramaki do Aya, na minha opinião, eram, também, os melhores que alguma vez comi em Lisboa. De bom tamanho, com pedaços bem proporcionados de peixe (normalmente salmão) ou camarão, fossem revestidos com ovas, ou sementes de sésamo, eram de longe as minhas peças favoritas. Não sendo um fã de tempura, os camarões panados conseguiam não saber a peixe frito, sendo uma boa opção para quem não gostasse de peixe cru (para quem não sabe, a tempura japonesa tem origens lusitanas...).
Para acompanhar, um chá verde tradicional (e não de saquetas como estão a oferecer num restaurante "conceituado" de Lisboa), sempre acabado de fazer, ou um sake quente/frio acompanhavam perfeitamente as peças de sushi e sashimi.
Aya Bistrôt
Situado no piso inferior do centro comercial onde o Aya estava situado, pelo menos este espaço mantém-se. Deste modo, apesar das peças de sushi talvez não terem a mesma qualidade das do restaurante Aya no tempo de Yoshitake, este espaço serve perfeitamente para no dia-a-dia ter um almoço rápido, fruto de um capricho momentâneo, ou para ir a um sítio "melhorzinho" com alguém do trabalho que apareceu do nada. Também aqui o Aya foi inovador, pois o conceito de pequenos pratos disponíveis numa passadeira (sistema Kaiten) não existia, sendo posteriormente copiado por outros restaurantes - o último no Centro Comercial Colombo. A venda de pequenas refeições completas (os chamados Bentos), com molho de soja, wasabi e gengibre incluídos, também foi inovador. Não há esquina de Lisboa, ou recanto de um qualquer centro comercial, que não tenha um espaço deste género. Como recordação pessoal ficam dois jantares óptimos que servi a alguém especial e que foram feitos a partir de umas quantas refeições que aí comprei.
O Futuro
O encerramento de qualquer empresa, especialmente nos tempos que correm, é um processo doloroso para os que nela trabalharam e sempre lamentável quando esta vendia um produto, ou prestava um serviço, com boa aceitação no mercado. No entanto, também é uma oportunidade para que outros entrem e se dêem a conhecer, especialmente quando trazem algo de novo. O encerramento do Aya evidentemente que se enquadra neste contexto, pois a sua perda irá lamentar-se por muitos anos e boa parte dos seus funcionários enfrentarão o desemprego num ano que se adivinha difícil (em particular para a restauração). Porém, uma escola de discípulos de Takashi Yoshitake está aí pronta para novos projectos, além de que o espaço deixado vago pelo Aya poderá ser ocupado por quem tiver capacidade, uma boa ideia/projecto e espírito empreendedor.
Aya
Galerias Twin Towers, Rua de Campolide, Lisboa